DOXA DEPRESSIVA
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domingo, 5 de novembro de 2023
ENSAIO FILOSÓFICO: ARTE OU NÃO ARTE?
ARTE OU NÃO ARTE?
Ano Letivo 2022-23
Professor Rui
Brejo
Maria Francisca Salgueiro nº19 11ºH
INTRODUÇÃO
O
problema da definição de arte está no centro de um antigo debate, assim como
muitas outras perguntas: “O que é a arte?”; “O que é que todas as obras ou
ações às quais chamamos arte têm em comum?”; “O que é que distingue a arte
daquilo que não é arte?”; “Será possível definir a arte?”; “Será importante
definir a arte?”. Todas elas são coerentes e suscitam-nos alguma curiosidade.
Será que podemos considerar o desenho de uma criança de cinco anos arte? Ou
apenas as obras que estão nos museus?
Foquemo-nos na última pergunta daquelas que foram enumeradas: “Será importante definir a arte?”. Para responder à mesma, vejamos um excerto da notícia “Empregada de limpeza confunde arte com lixo” publicada no JN a 29 de outubro de 2015: “Uma empregada de limpeza confundiu, no sábado, uma instalação artística com lixo e limpou a sala onde a peça estava exposta. A obra de arte foi entretanto reposta e abriu ao público na terça-feira, no Museu de Arte Contemporânea de Bolzano, em Itália.”[1] Talvez se existisse algo que delimitasse a arte de forma concreta, este incidente não teria ocorrido. Mas será a arte tão objetiva ao ponto de poder ser delimitada? Será possível comparar a arte a algo tão rigorosamente científico? São estas as questões às quais pretendemos responder ao longo deste ensaio filosófico.
A
TEORIA FORMAL DA ARTE
Há
milhares de anos que diversos filósofos procuram soluções para o problema da
definição de arte. Para uns, aquilo que define arte são as propriedades
intrínsecas de um objeto. Fazem parte das teorias essencialistas da arte. Para
outros, aquilo que caracteriza uma obra de arte são propriedades extrínsecas ao
objeto, fazendo parte das teorias não essencialistas.
No
entanto, na minha perspetiva, existe uma que se destaca dentro das teorias
essencialistas: a teoria da arte como forma.
A
teoria formalista diz-nos que não importa a emoção que o artista quis revelar
na obra, mas sim o sentimento que esta desperta no público. Qualquer obra que
classificamos como arte tem o poder de despertar em nós, espetadores, uma
emoção estética.
Surge
assim uma nova questão: O que é a estética?
A
estética, segundo a filosofia é uma sensação que remete para o belo, sublime e
que nos permite distinguir a graciosidade e a beleza do desagradável e feio.
Segundo Immanuel Kant[2], a capacidade de sentirmos
uma emoção estética é a priori e universal. Todos nós, seres-humanos, temos a
capacidade de sentir, experienciar e formular juízos de valor. Podemos
experimentar a emoção estética enquanto criadores ou enquanto observadores.
Então e para nós, seres humanos, o que é que é
considerado “belo”?
A
verdade é que, ao longo da história, o nosso conceito de beleza foi sofrendo
alterações. No entanto, mesmo que os nossos gostos pessoais e contemporâneos
mudem, há certas coisas que se mantêm atemporais. São essas características que
já são de tal forma tão naturais para nós que nos podem ajudar a identificar o
que é ou não belo.
A
principal característica é a simetria. Desde os primórdios da humanidade que o
nosso cérebro reconhecia simetria na natureza e era isso que nos ajudava a
manter em segurança. Conchas, árvores, folhas, flores e até mesmo animais: por
ser tão comum na fauna e flora, encontrámos na simetria uma espécie de abrigo.
Era uma ajuda para os nossos ancestrais conseguirem avaliar os perigos e reagir
mais rapidamente.
Esta característica servia também para analisar seres humanos. Não só para escolher o parceiro mais fértil e saudável, como para reconhecer inimigos. Existe uma zona no nosso cérebro chamada “giro fusiforme”, que tem a capacidade de reconhecer rostos. Essa capacidade é, nada mais nada menos do que conseguir reconhecer a chamada “proporção divina”[3]. A “proporção divina” ou “número de ouro” é utilizada desde há séculos e está presente por todo o lado. Temos, no caso da pintura, a obra de Leonardo Da Vinci La Gioconda (1503-1506).
Agora
que compreendemos o significado de belo, podemos retomar à teoria da arte como
forma. Esta foi proposta em 1914 pelo filósofo inglês Clive Bell[4] (1881-1964), sendo uma
reação às alterações radicais que ocorreram na arte europeia. Os artistas,
principalmente pintores, passaram a interessar-se pela exploração de diferentes
linhas, formas e cores, conceitos mais abstratos. Deixou assim de ser necessário
representar ou exprimir algo numa obra para que esta seja reconhecida como
arte. Como referido anteriormente, a teoria formalista diz-nos que uma obra só
pode ser considerada arte se for um artefacto e se exprimir uma emoção
estética. Podemos dizer de forma resumida que:
X é uma obra de arte, se e só se, X for concebido principalmente para
possuir e exibir forma significante.
O
autor entende por forma significante a organização estruturada de linhas,
cores, formas, volumes, entre outros aspetos.
“Que
propriedade é partilhada por todos os objetos que nos causam emoções estéticas?
(...) só uma resposta parece possível – forma significante. São, em cada um dos
casos, as linhas e cores combinadas de um modo particular, certas formas e
relações de formas, que suscitam as nossas emoções estéticas. A estas relações
e combinações de linhas e cores, a estas formas esteticamente tocantes, chamo
Forma Significante «forma significante» ; e a «forma significante» é a tal
propriedade comum a todas as obras de arte visual.”[5]
A
teoria formalista é assim um confronto direto entre o sujeito e a forma, é
necessário que haja alguém para a apreciar.
Esta
teoria é facilmente posta em prática. Pensemos nos diferentes tipos de arte:
-
Pintura. As combinações das linhas, formas e cores são aquilo que nos fascina;
-
Música. A organização sonora que nos permite experienciar diferentes tipos de
emoções;
-
Literatura. A estrutura narrativa, a combinação de palavras que nos
teletransporta para outro mundo que não o nosso;
-
Dança. A composição de figuras e movimentos, várias vezes acompanhada de belas
sinfonias;
-
Escultura e Arquitetura. Os traços e contornos, as simetrias das formas.
Podemos ainda observar outro exemplo a favor desta teoria. Como referido anteriormente, todos nós temos a capacidade de reconhecer o belo, bem como de formular juízos de valor. Assim sendo, facilmente conseguiríamos reconhecer uma obra projetada com a intenção de exprimir uma emoção estética de uma que não tinha essa intenção. Foi então realizada uma experiência onde várias pessoas foram convidadas a distinguir pinturas abstratas reais de falsas. Algumas eram originais de Mondrian[6] e outras de Pollock[7], que foram pintadas com base em padrões e regras rígidas, ao contrário das imitações. A maioria escolheu as originais de ambos os pintores, ainda que os seus estilos sejam muito diferentes. Esta experiência reforça a ideia de que existe algo em nós que consegue sentir emoções estéticas e a identificar o belo, mesmo que de forma inconsciente.
Convergence, Pollock (1952)
Composition with Red Blue and Yellow, Mondrian (1930)
Esta teoria permite-nos também distinguir as obras de arte dos objetos naturais. Se há algo que tanto a arte quanto a natureza têm em comum é a simetria e a verdade é que o mundo natural pode sim transmitir-nos uma emoção estética. No entanto, esses elementos não foram criados nem pelo ser humano nem com a intenção de exibir uma forma significante.
CRÍTICAS
À TEORIA FORMALISTA E RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES
Embora
a teoria formalista seja aquela que, a meu ver, melhor caracteriza o conceito
de arte, existem algumas objeções.
Em
primeiro lugar, os críticos afirmam que “A teoria formalista não define de modo
satisfatório forma significante”. A argumentação dos formalistas é feita em
círculo, dizendo que a forma significante é aquilo que desperta as nossas
emoções estéticas e que estas apenas são sentidas na presença da forma.
Acrescentam ainda que o significado de “forma significante” não é explícito nem
objetivo.
Outra
das críticas apresentadas é: “O conteúdo e os contextos das obras são
relevantes para a apreciação da arte”. Analisar se algo é uma obra de arte
passa apenas por apreciar a sua forma, sendo o conteúdo da mesma irrelevante.
Todavia,
estas objeções não são bem-sucedidas. Observemos a primeira crítica: “A teoria
formalista não define de modo satisfatório forma significante”. Como foi
possível compreender ao longo do ensaio, existe algo a priori em nós que nos
leva a saber se tal obra é bela ou não. Podemos ter uma maior ou menos
sensibilidade no que toca à emoção estética, mas a verdade é que conseguimos
reconhecer se algo é ou não belo. Além disso, o conceito de arte não deve ser
objetivo, pelo que não é necessário definir rigorosamente “forma significante”.
Se o fizéssemos, estaríamos a cortar as asas da liberdade de expressão do
artista.
Já
a segunda crítica é, das duas, a mais plausível. No entanto, também pode ser
respondida. É verdade que o conteúdo é importante, mas este é um complemento da
sensação estética que sentimos. Vejamos um exemplo: se eu escutar uma música
com uma melodia lindíssima cantada numa língua estrangeira que eu não domino, a
minha primeira impressão será ao escutar a sinfonia. É a maneira como os sons
estão organizados que me traz uma nova sensação, um novo sentimento, não a
letra. O exemplo aplica-se também para o oposto: se eu escutar uma cacofonia
que tenha uma letra muito bonita, a minha primeira impressão será, como
esperado, a desorganização sonora. É neste sentido que a teoria da forma
responde, por muito que o conteúdo seja bom, é necessário que a forma significante
nos transmita a emoção estética que tanto falámos ao longo do ensaio.
CONCLUSÃO
Se
por um lado é importante encontrar uma definição de arte para nos ajudar a
nível político e organizacional, por outro, devemos continuar nesta busca pelos
limites artísticos. A verdade é que há milhares de anos que se fazem obras de
arte e, até hoje, não há um consenso naquilo que define uma obra de arte de um
mero objeto. Nós, seres humanos, tivemos a capacidade de ir à lua, mas não
conseguimos encontrar limites para algo tão próximo de nós? Talvez a resposta a
esta pergunta seja simples: é possível que existam sim critérios transversais
às obras de arte - como vimos neste ensaio, o caso da simetria, mas a verdade é
que não podemos limitar a arte numa caixa. Se o fizéssemos, estaríamos a cortar
as asas da liberdade de expressão do Ser Humano, passaríamos a viver num mundo
com poucos detalhes e novidades.
Por
isso, retomando o exemplo exposto na introdução: A exposição que foi limpa por
uma funcionária, por esta achar que se tratava de lixo, pode ser realmente
considerada arte? Talvez pela teoria formalista, a resposta seria não. A
exposição não nos transmite, de facto, uma emoção estética, mas sim o caos após
uma festa de ano novo. No entanto, é de facto mais interessante pensar que, por
não existir uma definição concreta, este incidente deu aso a diversas conversas
e discussões. E são essas trocas de ideias que nos fazem crescer enquanto
indivíduos, que nos fazem refletir e ir mais longe. Perguntas que nos levam a
outras perguntas e que nos obrigam a ver o mundo de diferentes perspetivas.
Como disse Nelson Goodman, a pergunta “o que é arte?” deveria ser substituída
pela pergunta mais adequada “quando há arte?”. E essa discussão está apenas no
princípio.
FIM
BIBLIOGRAFIA
A ÉTICA E O BELO SEGUNDO KANT: PELA
FACULDADE DO JULGAR. Consultado a 17 de maio de 2023. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/10236/1/8..pdf
A teoria da forma significante de
Clive Bell. Consultado a 7 de maio de 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PEINWNLibfw
Beleza e saúde mental: como o
cérebro enxerga o belo. Consultado a 15 de abril de 2023. Disponível em: https://www.telavita.com.br/blog/beleza-e-saude-mental/
Clive Bell. Consultado a 24 de
março de 2023. Disponível em: Clive Bell - Brasil | Crítico britânico | Britannica
Composition
with Red Blue and Yellow. Consultado
a 17 de maio de 2023, Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Composition_with_Red_Blue_and_Yellow
Empregada de limpeza confunde arte
com lixo. Consultado a 24 de março de 2023. Disponível em: Empregada de limpeza confunde arte
com lixo (jn.pt)
Estética (Conceito, Definição,
Significado, O que é). Consultado a 21 de março de 2023. Disponível em: https://knoow.net/ciencsociaishuman/filosofia/estetica/
Experimentando com Mondrian:
comparando o método de produção com o método de escolha. Consultado a 15 de
abril de 2023. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/273574222_Experimenting_with_Mondrian_Comparing_the_method_of_production_with_the_method_of_choice
Filosofia da arte. Consultado a 1
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Filosofia 11º ano - A Filosofia e a
Arte. Consultado a 21 de março de 2023. Disponível em: Filosofia 11º ano - A Filosofia e a
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- livraria Online
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Levinson - Livro - WOOK
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Kurzgesagt
– In a Nutshell. Consultado a 15 de abril de 2023. Disponível em: https://sites.google.com/view/kgssourcesbeauty/startseite
Mona
Lisa. Consultado a 5 de maio de 2023. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa
O
juízo de gosto segundo Kant. Consultado a 17 de maio de 2023, Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/10/13/o-juizo-de-gosto-segundo-kant
O que é arte? Consultado a 26 de
março de 2023. Disponível em: O que é arte? - YouTube
O Que é Proporção Áurea? Entenda
Como Ela Mudou a História da Arquitetura. Consultado a 15 de abril de 2023.
Disponível em: https://www.vivadecora.com.br/pro/proporcao-aurea/
O que nos torna atraentes para os
outros. Consultado a 15 de abril de 2023. Disponível em: https://observador.pt/2015/04/10/nos-torna-atraentes-os-outros/
Os limites da arte. Consultado a 26
de março de 2023. Disponível em: Os limites da Arte - Opinião Sem
Medo! (uai.com.br)
Piet
Mondrian: obras e biografia. Consultado a 17 de maio de 2023, Disponível em: https://www.todamateria.com.br/piet-mondrian-obras-biografia/
Porque
coisas bonitas nos fazem felizes - A beleza explicada. Consultado a 15 de abril
de 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-O5kNPlUV7w
Teorias
essencialistas da arte. Consultado a 26 de março de 2023. Disponível em: https://criticanarede.com/aalmeidateoriasessencialistasdaarte.html
[1] Disponível em: Empregada de limpeza confunde arte
com lixo (jn.pt)
[2]“Kant foi um filósofo alemão e um dos principais pensadores do Iluminismo.
Os seus abrangentes e sistemáticos trabalhos na epistemologia, metafísica,
ética e estética fizeram dele uma das figuras mais influentes da filosofia
ocidental moderna.” Kant. Consultado a 16 de maio de 2023. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant
[3]“Proporção áurea é uma constante
real algébrica irracional utilizada na arquitetura, nas artes e no design
gráfico. Ela é representada pela divisão de uma reta em dois segmentos (a e b),
sendo que quando a soma desses segmentos é dividida pela parte mais longa, o
resultado obtido é de aproximadamente 1,61803398875. Este valor é chamado de
“número de Ouro”.” Proporção áurea. Consultado
a 7 de maio de 2023. Disponível em: https://www.vivadecora.com.br/pro/proporcao-aurea/
[4] : Bell (1881-1964) foi um filósofo e
crítico de arte inglês. Foi um dos primeiros membros do Grupo de Bloomsbury,
composto por artistas e intelectuais britânicos. Estudou em Paris, local onde
despertou o seu interesse pela arte. Foi um dos principais teóricos do
movimento estético conhecido como "Formalismo". Para Bell, todas as
obras que consideramos como arte são artefactos que despertam em nós, público,
uma emoção estética. Esta seria uma resposta emocional que é desencadeada pela
contemplação de formas e cores harmoniosas.
[5] Clive Bell, Arte, Trad. Rita C.
Mendes, Texto & Grafia, 2009
[6] “Pieter Cornelis Mondrian
(1872-1944) foi um pintor neerlandês modernista que criou o movimento artístico
neoplasticism”. Piet Mondrian. Consultado a 17 de maio de 2023.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Piet_Mondrian
[7] Paul Jackson Pollock (1912-1956),
conhecido profissionalmente como Jackson Pollock, foi um pintor norte-americano
e referência no movimento do expressionismo abstrato. Jackson Pollock.
Consultado a 17 de maio de 2023. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jackson_Pollock
segunda-feira, 7 de novembro de 2022
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
31 de outubro e o Génio Maligno do 11º A
Hoje fizemos um concurso de frases sobre a terrível ficção de Descartes, o Génio Maligno.
1º Prémio
Estamos todos a ver televisão, mas o Génio Maligno é que tem o comando !!
Menção Honrosa
segunda-feira, 10 de outubro de 2022
A Filosofia Racionalista de René Descartes genialmente apresentada pelo professor David Erlich
domingo, 2 de outubro de 2022
ASPETOS DO CONTEXTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DESCARTES
« Esse mal do seu tempo (…) podemos exprimi-lo em duas palavras: incerteza e
confusão.» Koyré, Alexandre (1980). Considerações sobre Descartes. Ed. Presença, pág. 24
«O século XVI foi uma época de importância capital na história da humanidade, uma
época de enriquecimento prodigioso do pensamento e de transformação profunda da
atitude espiritual do homem; uma época possuída por uma verdadeira paixão da
descoberta: descoberta no espaço e descoberta no tempo; paixão pelo novo e paixão
pelo antigo. (…) Alargamento sem igual da imagem geográfica, científica do homem e
do mundo. Fervilhamento confuso e fecundo de ideias novas e de ideias renovadas.
Renascimento de um mundo esquecido e nascimento de um mundo novo. Mas também:
crítica, abalo, e enfim, dissolução e mesmo destruição e morte progressiva das antigas
crenças, das antigas conceções, das antigas verdades tradicionais que davam ao homem
a certeza do saber e a segurança da ação.» Koyré, Alexandre (1980). Considerações sobre Descartes. Ed. Presença, pág. 24-24
Sobretudo, nos séculos XV e XVI, quando emergiu na Europa o Renascimento Cultural, uma nova conceção de mundo ou de “cosmos” passou a surgir, associada a vários aspetos
- uma nova conceção do nosso mundo, a partir dos Descobrimentos marítimos: novos continentes, povos e costumes;
- uma nova conceção do cosmos (universo), com a decadência da ciência ptolomaica1 (geocentrismo) e a afirmação do heliocentrismo, a partir de Nicolau Copérnico2 .
O universo passa a ser encarado como algo que pode ser compreendido matematicamente e explicado. O papel de Galileu 3 na sistematização dessa conceção revolucionária foi decisivo, já que ele foi um dos primeiros a aperfeiçoar instrumentos técnicos, como o telescópio, para melhor observação dos fenómenos. Foi Galileu também que deu um novo rumo às pesquisas sobre o movimento, com a elaboração da lei da inércia, e recuperou as teses de Copérnico sobre a translação terrestre. A junção entre observação, experimentação e formulação de uma explicação teórica e matemática, constitui o alicerce da ciência moderna, que se forjou sob o signo da Revolução Científica do século XVII.
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1- Cláudio Ptolomeu de Alexandria (90 – 168) que desenvolve a imagem geocêntrica do mundo,
já defendida por Aristóteles.
2- Nicolau Copérnico, astrónomo e matemático polaco (1473-1543) desenvolveu a teoria heliocêntrica que colocou o Sol como o centro do Sistema Solar, contrariando a então vigente Teoria Geocêntrica (que considerava a Terra como o centro). É considerada como uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da astronomia. A partir de Copérnico, a hipótese heliocêntrica foi defendida e desenvolvida por Galileu, Kepler, Descartes e Newton, dando origem à Física moderna.
3- Galileu Galilei, físico, matemático e filósofo florentino (Florença, Itália) (1564-1642)
quinta-feira, 15 de setembro de 2022
A Definição : condições necessárias e condições suficientes
Uma condição necessária é apenas a condição introduzida pela consequente de uma proposição condicional; e uma condição suficiente é apenas a condição introduzida pela antecedente de uma proposição condicional.
Branquinho, J. & Murcho, D. org.
(2001). Enciclopédia dos Termos Lógico-Filosóficos. Gradiva. Lisboa.
P.151
Frequentemente fazemos a
pergunta: O que é X? Como em : O que é um mamífero? Ou O que é
um triângulo?
Quando fazemos estas
perguntas estamos a pedir uma definição. A definição de mamífero
ou a definição de triângulo, seguindo os nossos exemplos.
Uma resposta possível para
«o que é um mamífero?», ou seja, uma definição de mamífero, poderia ser: Um
mamífero é um animal vertebrado, de
sangue quente, cujas crias se alimentam do leite materno.
Não nos preocupa, agora,
verificar se esta é uma definição adequada ou não, pois queremos analisá-la,
apenas, do ponto de vista lógico.
Na realidade esta
definição está a mostrar-nos quais são as condições para que algo, possa
ser mamífero. Vejamos:
·
Se é mamífero, então (tem de ser) ANIMAL (1ª condição
necessária)
·
Se é mamífero, então (tem de ser) VERTEBRADO (2ª condição
necessária)
·
Se é mamífero, então (tem de ser) de SANGUE QUENTE (3ª condição
necessária)
·
Se é mamífero, então (tem de ser), enquanto cria, ALIMENTADO DE
LEITE MATERNO (4ª condição necessária).
Todas estas condições são necessárias,
pois têm de estar presentes no ‘mamífero’; sob o ponto de vista lógico, elas
constituem o consequente de uma proposição condicional cujo antecedente é ‘mamífero´
(o definido).
Queremos dizer, então, que estas condições
não podem estar ausentes: elas são necessárias. Mas elas não são suficientes
pois que nenhuma, só por si, chega para definir um ‘mamífero’.
Uma definição deve indicar-nos quais são as
condições necessárias e suficientes para que uma ‘coisa’ seja o que é: explicar-nos,
portanto, a essência da ‘coisa’.
Porém, o que distingue
condições necessárias de condições suficientes?
A condição suficiente é aquela que a ‘coisa’ não
partilha com outra classe de seres, portanto que, sendo necessária (pois não
pode estar ausente), a sua presença, só por si, define a ‘coisa’ – é própria
dela e de mais nenhuma outra.
Vejamos o modo como Aristóteles definiu o Homem:
O Homem é um animal
racional.
Se usarmos proposições
condicionais, teremos:
·
Se é Homem, então (tem de ser) ANIMAL (1ª condição necessária)
·
Se é Homem, então (tem de ser) RACIONAL (2ª condição
necessária)
Aristóteles mostra-nos
que, para definirmos Homem, é suficiente conjugarmos estas duas condições
necessárias.
Caso aceitemos que a
racionalidade é uma qualidade exclusiva dos seres humanos (o que pode ser
discutível) e não acreditemos, por exemplo, em seres angélicos ou extraterrestres
inteligentes, então ser RACIONAL é condição suficiente para ser Homem, pois que
a racionalidade não se aplica a mais nenhuma classe de seres.
Neste caso, e somente
neste caso, podemos definir o Homem como ser racional, mas também inverter o
consequente e o antecedente e afirmarmos:
·
Se Racional, então (tem de ser) HOMEM.
Esta seria, portanto, uma
propriedade lógica exclusiva das condições suficientes.